quarta-feira, 26 de agosto de 2009

"ELE SÓ QUERIA COMPRAR CIGARROS"

Pode até parecer brincadeira ou coisa forjada, mas é verdade, e se foi assim, é assim que a gente tem que contar: ele falou que ia comprar cigarros e nunca mais voltou. O bar onde ele sempre compra fica na esquina, há uns 20 metros daqui, mais ou menos, mas estava tarde, e aí, numa região dessas, a gente tem mais medo. Ele tinha receio, também, de sair essa hora, ainda mais pra comprar cigarros, mas a gente sempre pensa que é besteira se preocupar à toa, "estamos no centro, é muito movimentado", ele dizia sempre. Mas dessa vez, aconteceu. Pelo que dizem, o bar estava vazio, na hora, e foi aí que a Milícia Especial Anti-Tabagismo atacou. Eles sempre se aproveitam dessas horas, desse tipo de situação. Acredito realmente que foi o que aconteceu. Ele só queria comprar cigarros e não voltou, até agora. Não parecia ter motivos pra querer sumir, estava muito feliz, prosperando no emprego, quando saiu mesmo estava com o computador ligado, revisando uns textos que precisava entregar, estava fazendo vários planos, pintar a casa, viajar nas férias, coisas desse tipo. Enfim, a gente nunca sabe, ...Mas eu sei que foi a Milícia. O mendigo também sumiu. Era um cara que ficava na porta do bar todas as noites, para quem ele sempre dava uns trocados, todas as noites. Os dois se chamavam pelo nome, ele dava roupas velhas, no frio e de vez em quando, ao entrar para comprar seus cigarros, pagava um lanche para ele. Depois o mendigo foi achado debaixo do viaduto, baleado no peito, com um cigarro meio aceso nas mãos. Ninguém é baleado e mantém o cigarro preso entre os dedos. Eles agem assim, apagam as testemunhas inconvenientes. Principalmente os desse tipo, gente que vive na rua, que vê e ouve tudo. Mas o corpo dele, sumiu. Ninguém sabe como a Milícia mata, se tem tortura, se não tem, e depois o que fazem com os corpos. Eu conheço outros casos iguais, de gente que saiu pra comprar cigarro e nunca mais voltou. Conheço até mesmo casos de gente que teve a casa invadida e sumiu depois, e na casa foram encontrados armários lotados de caixas de cigarro, quando na verdade a pessoa fumava cinco, dez cigarros por dia, ou até menos. Se eu tenho esperanças de que ele seja encontrado? A gente sempre tem...mas eu sei que é ilusão, a Milícia age sem deixar pistas, e faz o trabalho todo muito bem. Eu falava para ele parar de fumar, comprar uma dessas pastilhas que ajudam na dependência da nicotina, mas ele se negava, falava que não iria se abdicar de um prazer só por medo, neurose coletiva,...mas daí um dia ele saiu para comprar cigarros e não voltou. É por isso que eu resolvi aderir a essa campanha, para tentar convencer as pessoas a lutarem contra o vício. Eu sei que é difícil, mas você não vai querer passar por isso, você, fumante, de perder a sua vida sabe-se lá como. E você, que tem uma pessoa querida que fuma, não vai querer perder essa pessoa quando menos se espera. Chega de gente sumindo. Chega dessa história de sair para comprar cigarros e não voltar mais. A gente quer ter paz.

Um comentário:

  1. Adoro sua vizinha fofoqueira.
    Você deveria escrever um livro só com contos com ela.
    Muito bom o texto...

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