terça-feira, 17 de novembro de 2009

O MUNDO, DO FIM AO COMEÇO

Ela estava amedrontada. Não era cética, era até interessada por misticismo e histórias veladas de grandes segredos, sociedades desconhecidas, alquimias, códigos, símbolos perdidos, verdades ocultas. No final do ano de 2010, os rumores em torno do fim do mundo se aproximando em 2012 a preocupavam. Uma mulher jovem, na casa dos 20, que ainda não havia feito nada de realmente importante e notório na vida, além de projetar seus planos. No fim daquela semana, então, seus nervos estavam fatigados. Depois de um blecaute nacional, que a pegou desprevenida, como muitos, dentro de um metrô, a caminho de casa. A notícia de pontes desabando nas estradas em cima de carros. Uma semana antes, grandes intelectuais centenários, reveladores do comportamento humano, morrendo um após o outro. Para ela, uma universitária impressionada com o mundo que estava se abrindo aos seus olhos, e ávida por decifrá-lo, aquilo tudo era anunciador de uma catástrofe irreparável. Sentia uma angústia difícil de lidar. Queria se planejar, de emergência, a antecipar os grandes planos da vida. Estava fazendo as contas de suas economias para poder passar a virada do ano em uma praia, na Ásia, ou na Áfria. Tinha medo pelo ano que entrava. E se a tecnologia toda, o avanço da mente humana, o tempo passando cada vez mais rápido e todas essas coisas tivessem também antecipado os planos do mundo? Se tudo fosse acabar nesta virada de ano, que ela morresse, então, de frente para o mar e de preferência em uma terra desconhecida. Morreria com a sensação de plenitude e grandeza íntima. Naquela sexta-feira, ao se aprontar para ir para a universidade, decidiu que iria terminar a noite em um bar, uma balada, qualquer lugar onde pudesse beber um pouco e relaxar os nervos torturados por uma semana pavorosa. Por conta dessa decisão, perdeu tempo demais escolhendo uma roupa mais apropriada para a vida noturna, tomou um banho mais demorado, lavou os cabelos e acabou se atrasando. Ao chegar na universidade, gritos e aglomerações a fizeram intuir um tumulto que não entendia. Uma horda de homens excitados trepavam uns sobre os outros, gritavam, insultavam alguém a quem ela não via. Com muito esforço, conseguiu distinguir palavras em meio aos urros. Gritavam "vadia", "puta" e coisas do tipo. Chegou a pensar que era ela, que era o fim do mundo batendo na sua porta, que não teria mais  tempo de viajar, estar de frente ao mar, pisar em terra desconhecida, nada.  Iria tudo acabar lá. Pouco tempo depois, viu policiais entrando numa sala de aula, o epicentro daquele holocausto, e os viu sair de lá escoltando uma menina, uma aluna de algum outro curso, com quem ela cruzava, às vezes, na cantina da universidade, no intervalo. A polícia defendia a menina, enxovalhada pelos insultos dos homens, e a conduzia para fora da universidade. Aparentemente ela não tinha insultado um professor, matado o namorado na sala de aula, queimado todas as provas do semestre, nada. A menina seguia, de cabeça baixa, entre os policias. Trajava um vestido vermelho curto. Estava maquiada, de cabelo arrumado, assim como ela prórpia, e temeu por si mesma. Seria a próxima? Se realemente fosse mesmo o fim do mundo se anunciado em sequencia, depois de todos os acontecimentos da semana, ela terminaria assim, linchada no corredor da universidade somente por querer se distrair numa sexta-feira à noite? A angústia cresceu no seu peito, tremia, temia pelo que estava por vir. Decicidu salvar-se antes do pior. Fugiu. Não ficaria mais lá, não iria cutir a noite, correria para casa. No metrô, para destrair a cabeça, se livrar do medo - de repente um novo blecaute e ela novamente indefesa? De repente agora as ruas da cidade desabando sobre ela, debaixo da terra? De repente ela, uma promessa de pensadora e mulher relevante morrendo tragicamente nos 20 anos, longe de completar um século? - abriu seu caderno, e começou a reler as suas anotações. Abriu ao acaso numa página rascunhada durante uma aula de filosofia. O professor, naquele aula, introduzira um estudo de religiões, e comentara passagens de textos sagrados, entre eles a bíblia. Um trecho que anotara em seu caderno - não, não podia ser do Apocalipse, era simbologia demais por uma semana, por uma noite. Para seu alívio o professor comentava sobre o Gênesis, e ela havia anotado em seu caderno o que o professor declamava citando a bíblia: "E Deus disse a Eva: multiplicarei os teus trabalhos e os teus partos, estarás sob o poder do macho e ele te dominará." De repente, ao ler essas anotações, uma calma sem tamanho foi tomando conta de seu coração, afrouxando seus nervos e dissipando a angústia, o tremor e o pânico. Não, o mundo não estava acabando. Mesmo os acontecimentos desta semana, somente incidentes, até mesmo o que vira na universidade, há pouco. Com a leitura achada ao acaso, o universo explicava a ela o seu funcionamento, e a esclarecia. O mundo estava só no começo.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

O BLECAUTE

O presidente, que estava ocupado na hora do blecaute, em reunião para melhorar a vida da população do seu país, pediu para o ministro esclarecer e acalmar a população. A rede de televisão entrevistou o ministro, que, ante a insistência do repórter a declarar de quem era a culpa, declarou que a culpa era da usina de abastecimento afetada pelos fortes ventos. O assessor de comunicação da usina de abastecimento fumava um cigarro atrás do outro, enquanto esperava o telefonema da rede de televisão que o entrevistaria em seguida, preparava seu dicurso, preparava-se para responder a insistência do repórter em declarar de quem era a culpa, e convencia-se a cada tragada em culpar os fortes ventos que assolavam a região. O homem de uma região do outro lado do país, também com medo de que voltasse a acabar a luz, perguntava para a sua mulher se ela tinha ouvido falar na tv ou lido nos jornais sobre os fortes ventos na região da usina de abastecimento, e sua mulher não se lembrava de nada, e o homem culpou o governo, dizendo que era desculpa esfarrapada, e que se houvesse uma ventania forte a ponto de derrubar as torres de transmissão de uma usina de abastecimento teria sido noticiada junto com o blecaute no mesmo jornal da mesma rede de televisão, e que o governo estava querendo sair ileso, esondendo alguma verdade oculta, e a mulher dise que era possível, mas que também não duvidava da ventania, já que a região onde estava instalada a usina de abastecimento era constantemente abalada por temporais e ventanias, e pensou consigo que ultimamente o tempo estava ficando cada vez mais inconstante, que fazia inverno no verão e verão no inverno, e foram dormir em dúvida, com a lanterna na cabeceira da cama caso se levantassem no meio da noite para ir ao banheiro ou tomar um copo d´água ou no caso de insônia quisessem um dos dois perambular pela casa, ler um livro, olhar da janela. No palácio do governo, o presidente se deitava para descansar de um dia de trabalho intenso, dormia tranquilo pois, caso tivesse que se levantar durante a noite ou acordasse acometido por uma crise de insônia, o palácio contava com gerador próprio. Nos céus, o Vento, irritado com a infâmia em que estava envolvido, andava de um lado para o outro tentando se acalmar e não ceder à sua cólera, capaz de devastar a terra e riscar do mapa o enorme país acometido pelo blecaute, o país que, do alto, o Vento avistava pequenininho e frágil, que nada poderia contra sua fúria vingativa. E Iansã, senhora das tempestades, que havia chegado correndo do céu do país montada num raio, tentava, vejam só, justo ela, intempestiva e nervosa como é de sua personalidade, justo ela tentava conter a fúria do Vento, para que ele não fizesse besteira. Enquanto Iansã acalmava o Vento, na usina de abastecimento, os funcionários passaram a noite em claro, e o dia seguinte e a noite seguinte também, tentando restabelecer por completo o abstecimento de energia no país, e se assegurando de que nada mais cairia. No dia seguinte ao blecaute, enquanto os funcionários da usina trabalhavam, o presidente entrou no seu gabinete mal humorado e com olheiras fundas, devido à insônia que não o deixou dormir, convocando sua cúpula para uma reunião de emergência. Os homens do país se levantaram e foram trabalhar, mas a sede de notícia era tanta, que muitos foram visto na rua, a caminho do trabalho, tentando ler os seus jornais enquanto o vento batia nas folhas frágeis e dificultava a sua leitura, como se quisesse lhes roubar os jornais das mãos.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

IDENTIDADE

Quando teve que se decidir
o homem  finalmente vestiu a camisa
se sujeitou.

domingo, 4 de outubro de 2009

HONESTIDADE

almoço 100gs R$1,69
após as 14hs 100gs R$1,49
após as 16hs 100gs R$1,10

COISA DE VÓ


REESTRÉIA DEPOIS DE GRANDE SUCESSO EM PORTO ALEGRE


Depois da primeira temporada em São Paulo e do sucesso no festival Porto Alegre Em Cena - com direito até a crítica internacional em jornal no Uruguai - , reestréia "Antes do Café" no Ágora Teatro.
E dia 11 de Outubro é a vez de "Coisa de Vó", aguardem!!!

sábado, 3 de outubro de 2009

PÓS TUDO

no futuro quando encontrarem
os escombros de um velho teatro
conseguirão ler a caixa preta?

GENTE DE TEATRO

atores
gente acostumada
a sempre falar merda

ORGASMO

(em francês) pequena morte:
duas borboletas mortas
copulando no meio da calçada

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

"ELE SÓ QUERIA COMPRAR CIGARROS"

Pode até parecer brincadeira ou coisa forjada, mas é verdade, e se foi assim, é assim que a gente tem que contar: ele falou que ia comprar cigarros e nunca mais voltou. O bar onde ele sempre compra fica na esquina, há uns 20 metros daqui, mais ou menos, mas estava tarde, e aí, numa região dessas, a gente tem mais medo. Ele tinha receio, também, de sair essa hora, ainda mais pra comprar cigarros, mas a gente sempre pensa que é besteira se preocupar à toa, "estamos no centro, é muito movimentado", ele dizia sempre. Mas dessa vez, aconteceu. Pelo que dizem, o bar estava vazio, na hora, e foi aí que a Milícia Especial Anti-Tabagismo atacou. Eles sempre se aproveitam dessas horas, desse tipo de situação. Acredito realmente que foi o que aconteceu. Ele só queria comprar cigarros e não voltou, até agora. Não parecia ter motivos pra querer sumir, estava muito feliz, prosperando no emprego, quando saiu mesmo estava com o computador ligado, revisando uns textos que precisava entregar, estava fazendo vários planos, pintar a casa, viajar nas férias, coisas desse tipo. Enfim, a gente nunca sabe, ...Mas eu sei que foi a Milícia. O mendigo também sumiu. Era um cara que ficava na porta do bar todas as noites, para quem ele sempre dava uns trocados, todas as noites. Os dois se chamavam pelo nome, ele dava roupas velhas, no frio e de vez em quando, ao entrar para comprar seus cigarros, pagava um lanche para ele. Depois o mendigo foi achado debaixo do viaduto, baleado no peito, com um cigarro meio aceso nas mãos. Ninguém é baleado e mantém o cigarro preso entre os dedos. Eles agem assim, apagam as testemunhas inconvenientes. Principalmente os desse tipo, gente que vive na rua, que vê e ouve tudo. Mas o corpo dele, sumiu. Ninguém sabe como a Milícia mata, se tem tortura, se não tem, e depois o que fazem com os corpos. Eu conheço outros casos iguais, de gente que saiu pra comprar cigarro e nunca mais voltou. Conheço até mesmo casos de gente que teve a casa invadida e sumiu depois, e na casa foram encontrados armários lotados de caixas de cigarro, quando na verdade a pessoa fumava cinco, dez cigarros por dia, ou até menos. Se eu tenho esperanças de que ele seja encontrado? A gente sempre tem...mas eu sei que é ilusão, a Milícia age sem deixar pistas, e faz o trabalho todo muito bem. Eu falava para ele parar de fumar, comprar uma dessas pastilhas que ajudam na dependência da nicotina, mas ele se negava, falava que não iria se abdicar de um prazer só por medo, neurose coletiva,...mas daí um dia ele saiu para comprar cigarros e não voltou. É por isso que eu resolvi aderir a essa campanha, para tentar convencer as pessoas a lutarem contra o vício. Eu sei que é difícil, mas você não vai querer passar por isso, você, fumante, de perder a sua vida sabe-se lá como. E você, que tem uma pessoa querida que fuma, não vai querer perder essa pessoa quando menos se espera. Chega de gente sumindo. Chega dessa história de sair para comprar cigarros e não voltar mais. A gente quer ter paz.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

ÁGORA TEATRO
R: Rui Barbosa, 672
fone: 3284-0290

terça-feira, 30 de junho de 2009

DESEJO DE MUDAR

A coisa foi simples. A tesoura já estava no banheiro, logo, ele nem teve a necessidade de premeditar. E não era estranho que a tesoura estivesse lá, ele já tinha falado que queria fazer a barba, já comprida, e antes de usar a gilete, teria que usar a tesoura para cortar os fios compridos. E a tesoura que ele usava era daquelas tesouras comuns, mesmo, toda de aço prateado, que a gente sempre tem em casa pra cortar papel, abrir embalagens ou qualquer outra coisa. Logo, como ele já tinha dito, ele até já tinha deixado a tesoura no banheiro, pra se lembrar que deveria fazer a barba. Ele já teria feito antes, mas sempre batia uma preguiça. Portanto, ele realmente nem precisou premeditar. Mas a pergunta que fica é o porque. Naquela manhã ele devia ter se levantado decidido. A fazer a barba, mas a fazer o que fez, já de caso pensado, aproveitando a presença da tesoura em cima da pia, não sei. Ele só comentou que queria faz tempo, já, fazer a barba, mudar o visual, renovar, ia até cortar o cabelo, que faz tempo já tinha passado dos ombros, e que cortaria no mesmo dia em que se barbeasse pra não ficar muito estranho, cabelo grande e sem barba, ele não gostava de se ver assim. Naquela manhã, antes de ir pro banheiro, se bem posso imaginar, ele colocou um CD, sempre ficava em casa com música alta. E ele gostava muito de jazz, blues, essas coisas. Imagino a cena: manhã ensolarada, dia bonito, porque eu lembro, aquele dia amanheceu bonito, o microsystem tocando Summertime e ele olhando pra si mesmo no espelho, com uma tesoura na mão. Não sei se ele se olhou no espelho, é outra dúvida que eu tenho, acho muito sangue frio. Mas nessas horas, a gente sempre imagina o que nos passa na cabeça, tem opiniões de como agiria, e tal, mas a gente só sabe mesmo quando passa por isso, é difícil dizer. Eu não me olharia, mas também não me passa na cabeça uma coisa dessas...naquela manhã, o microsystem tocando Summertime ele só olhando no espelho com uma tesoura na mão, querendo mudar. Começa cortar os pelos, corta um lado, corta outro, e quando a barba já ficou rala de novo, que a gilete pegaria, ele não consegue parar de cortar com a tesoura e enquanto a barba vai sumindo no pescoço vai crescendo rápida, sem charme nenhum de ser assim, lentamente, como nos filmes, a mancha de sangue que cobrindo a pele que nem tinta, tingindo a água da pia entupida com os pelos de barba e depois se misturando grossa com a poeira quando o corpo dele cai no chão, e a mancha crescendo, crescendo, crescendo sem parar e ainda cresce, quando penso nisso de novo, só consigo imaginar a mancha de sangue no chão, e cada vez que imagino ela está cada vez maior. A única coisa que posso dizer com certeza é que já tinha cortado a barba, que cortou a barba antes de cortar a pele, pois foi assim que ele foi encontrado. Por isso que não se pode saber se ele premeditou. E ele estava pelado, fez tudo pelado, me aflige mais, quando imagino a cena, imaginar o corpo morto e pelado, coisa mais besta, mas me dá mais aflição. Ah, e o cabelo. O cabelo ainda estava comprido, igualzinho, passando os ombros. Mas também, ele não iria mexer nos cabelos, não gostava da ideia de cortar ele próprio, ele tinha falado que iria no cabeleireiro no mesmo dia em que fizesse a barba.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

HISTÓRIAS INFANTIS PARA ADULTOS DE TODAS AS IDADES I

Pedro, na verdade, às vezes se cansava desta coisa de criança sempre ficar de fora das coisas sérias, daquilo que seus pais e todos os outros chamavam como coisa de adulto."É uma coisa muito chata essa, de não poder saber dessas coisas!" - exclamava ele. E vivia em conflito com seu mundinho de criança, querendo entender as coisas além das coisas...Entender como no seu mundo tudo sempre cabia, a suas soluções todas para todos os problemas eram muito tranquilas para ele. Qualquer sufoco, chamava um super tal, o mágico fulano, ou senão, jogava uma bola de poder energético azul em cima que sempre resolvia. Com ele sempre dava certo, mas quando ele revelava o seu segredo para os adultos, eles sempre riam daquele jeitinho carinhoso, passavam a mão na sua cabeça e lhe davam as costas, ainda rindo pelo caminho. Isso quando não estavam nervosos, quando o problema estava eminente, pois daí gritavam com ele e o mandavam pro quarto jogar videogame, ou brincar de qualquer coisa. E sempre era isso, brincar, brincar, brincar...a sua vida se resumia a isso. Até o momento em que ele se cansou, e começou a sonhar com a sua vida de adulto, fazer as coisas sozinho, ter um trabalho, sua casa, seu carro, sua namorada, seu próprio cachorro e seus próprios problemas para resolver do seu jeito. Certo dia, em frente ao espelho, energizou em sua mão, durante horas, uma grande bola azul que faria do seu desejo realidade. Pesquisou muito em seus livros sobre magias e feiticeiros o poder da mentalização, até mesmo tentou decifrar os livros que seus pais liam, antes de dormir, sobre os segredos deste mesmo poder. Quando achou que tinha atingido o nível de mentalização suficiente, jogou a bola no espelho, que rebateu em sua imagem e voltou para ele, num impulso tão grande que o derrubou no chão, deixando-o desmaiado. Anoiteceu e na manhã seguinte, Pedro acordou. Notou que estava crescido, e que seu pijaminha de flanela havia se transformado em um traje de trabalho completo, com direito à gravata e a um terno repousado no encosto da cadeira do seu quarto, que também estava transformado em uma suite com cama de casal, closet e banheiro independente. Depois de fazer a barba e preparar seu café - pois com o corpo também havia adquirido estas técnicas e saberes de gente adulta - pegou o seu carro e, enquanto se deliciava com seu primeiro cigarro do dia - rumou ao encontro de seus pais, no apartamento deles, onde fora sua casa na infância de ontem, para lhes mostrar algo sobre o poder de decisão das coisas. Quando chegou, teve que abrir ele próprio a porta da casa com a chave que descobriu que possuía, e encontrou sua mãe na cozinha, fazendo o almoço. Ela, logo que o viu, sem nem deixar ele falar, começou a decorrer sobre a saúde de seu pai, cada vez mais doente, agora impossibilitado de sair da cama, o preço abusivo dos remédios, a parca aposentadoria, a briga com a vizinha ao lado no elevador, naquela mesma manhã, entre outras coisas. No quarto, quando foi ver o pai, chegou a sentir pena do senhor quase agonizante na cama. E uma vontade de chorar. Mas algum sentimento estranho o fez se segurar, com uma força com a qual, sentia, já tinha experiência. Teve que sair um instante para atender o telefonema de uma mulher estranha, histérica, dizendo que o telefone da casa deles estava cortado por falta de pagamento, e que ela precisava da internet para trabalhar. Ao desligar, pensou que poderia ser essa a sua esposa. Quando finalmente saiu da casa dos pais, foi em direção ao seu trabalho, num escritório numa sala num andar de um prédio comercial numa rua grande da cidade. Ao chegar, sua mãe lhe telefonou aos prantos dizendo que seu pai havia falecido naquele mesmo instante, encontrou-o quando chegou com o almoço numa bandeja. Sem saber o que fazer, se saía naquele momento ou se entrava de vez, pois já era hora do almoço e ele nem mesmo havia batido seu cartão ainda, ou se corria ao banco para pagar a conta atrasada - lembrou-se que havia na sua conta corrente, ainda, o limite do cheque especial - para sua mulher poder trabalhar, correu ao banheiro da empresa e, em frente ao espelho, tentou mentalizar uma outra bola de energia que agora o levaria de volta, o único impulso que teve, a única vontade, a primeira forma de resolver todos os problemas que precisavam ser resolvidos agora que era adulto: voltar a ser criança e não ter que se preocupar em resolver todos estes problemas. Percebeu que não conseguia mais formar bolas de energia com as mãos e o poder do pensamento. Como estava sozinho no banheiro da empresa - horário de almoço, o escritório estava vazio - entrou numa cabine, sentou-se na privada e chorou. Depois de um tempo, pensou que deveria fazer as coisas por parte: saiu do banheiro, bateu seu cartão e deixou, pela secretária, um recado ao seu chefe explicando a situação. Pegou o carro e voltou para a casa dos pais, no caminho ainda conseguiu passar no banco. Junto com a mãe, tomou as necessárias providências. No velório, enquanto o tempo passava, já no meio da madrugada, quando o movimento de parentes ficou menor e sua esposa voltou pra casa para descansar um pouco e poder terminar o trabalho que havia sido interrompido com o corte da internet, pensou que a bola de energia que tinha criado na dia anterior era muito forte, e de repente no dia seguinte ela teria um outro efeito, sua carga energética ainda estaria em movimento ao seu redor, não é possível!, um dia como aquele que passara como adulto, tudo só poderia ser efeito da energia criada e ainda em movimento. E quem sabe até, já que a bola caiu sobre seu corpo refletida no espelho, no dia seguinte ela faria um efeito contrário ao de hoje, retornando ele ao seu estado inicial? Mais tranquilo com essa possibilidade, conseguiu pegar no sono, sentado mesmo no banco do velório, orgulhoso com a bola aceleradora de tempo que ontem, na sua infância, ele conseguiu criar. "E amanhã, o que será?" - ainda pensou curioso em ver como seria o amanhã. No dia seguinte, Pedro ao acordar não se levantou, não conseguiu sair da cama, a perna já não lhe respondia e estranhou quando uma outra mulher velha que nem ele chegou com o almoço numa bandeja. Entediado, resolveu passar a tarde dormindo. No dia seguinte, Pedro não acordou. Depois de passar a madrugada sendo velado, repousou para sempre ao lado do pai e da mãe.

domingo, 10 de maio de 2009

DRAMATURGIAS I

- Fica tranquilo, senhor meu diretor, vai ficar tudo bem, tudo bem...a vida não vai acabar por conta disso, aliás, você sabe melhor do que eu, não é aprimeira vez que você se separa e este foi o meu primeiro casamento...nossa, acho que eu tô mais preparada pra isso do que você...não, você não precisa ficar preocupado porque tá ficando velho...você é um homem muito charmoso, você sabe disso...logo logo, na próxima montagem sua, vai ter outra atriz novinha que não vai resistir aos seus encantos, à sua inteligência, sua segurança, este teu jeito de quem sempre consegue resolver tudo e não se abala com nada, de quem trata a vida como se fosse um trabalho, sempre querendo dirigir os rumos de todo mundo...isso é uma arma de conquista, e você sabe disso, porque voê usa isso muito bem...eu mesma caí nesse mesmo truque, ainda mais no começo daquele processo, eu tava insegura pra caralho com aquele personagem, e quando você chegva no meio da cena e me dizia no meu ouvido que confiava em mim, que podia ter escolhido outra mas que confiou em mim, e aquele papo todo...nossa! você sabe que aquele leão que eu virava vinha de um fogo que me queimava toda por dentro, e ou eu jogava aquilo no palco ou eu me jogava em cima de você na frente de todo o elenco...foi aí que eu tive certeza que eu tinha me apaixonado por você......essa peça vai marcar a minha vida...na minha carreira, vai sempre ter esse nó com a minha vida pessoal...mas acho que isso faz parte do nosso trabalho, até...a gente vai se ver, a gente vai sempre se cruzar por aí, a gente tá sempre cruzando com quem é da classe, nos mesmos lugares de sempre...e toda vez que eu ou você estivermos com um novo trabalho, nós vamos assistir um ao outro e depois vamos sair para jantar e é claro que vamos falar muito bem do trabalho, vamos achar pontos interessantes para discutir, maneiras de fugir da sinceridade desagradável, pois nós sabemos, não vamos disfarçar, temos opiniões muito opostas em relação ao trabalho, escolhas...você sempre disse, quando a gente brigava, que eu era over, desnecessária, até, em cena, e eu sempre acabava confessando que eu sempre achei tuas escolhas de direção muito cafonas, desatualizadas...não, não tô dizendo que você tá velho, por favor, não distorce o que eu digo, é só questão de...de...ah, de estar desatualizado, porra!...tudo bem, não vamos começar a brigar de novo, não tem mais sentido...pensa no lado bom: a gente nunca mais vai ficar chateado porque um não gostou do trabalho do outro....a gente sempre vai gostar, falar bem, justamente porque a gente não vai mais ter saco de discutir, que a gente sabe muito bem aonde isso leva...nossa, essa responsabilidade em ser sincero, essa seriedade em falar do trabalho, no fundo eu chego a pensar, às vezes, que a gente faz pra gente, mesmo, só pro outro aprovar...mas enfim, agora vão entrar novos outros nas nossas vidas, outras exigências, quem sabe a gente não vai nos ver com outros olhos, também...em todo caso, você sabe que eu sou muito grata com você, eu realmente aprendi muito com você, no fundo, por mais que eu goste disso, eu sei que sou over demais, mas é um caminho pra mim, e você me ensinou muito a lidar com isso, a ser mais autocrítica...acho que seu lugar é na escola, você seria genial ensinando os outros, com esse seu jeitinho grosso, a gente se sente instigado...passando aqueles exercícios de beabá, nascimento vida e morte de uma árvore, entrar em cena, sentar e sair de cena...o seu olhar, assistindo, já faz a gente querer se abrir e realmente fazer algo novo por nós mesmos, se rasgar de verdade...é, seu lugar é na escola...falando nisso, eu vou começar um processo novo, com aquele cara, sabe, que tá fazendo um puta sucesso de crítica, que mexe com umas coisas meio conceituais...vai me assisitir, quem sabe depois a gente não sai pra jantar, e conversa...até a estréia é um bom tempo pra gente respirar, sozinhos, e pôr as idéias no lugar...

sábado, 9 de maio de 2009

MÃES

- Você não devia tratar assim a sua mãe! Eu entendo que é coisa da idade essa irresponsabilidade toda, e tal, mas eu me preocupo com você...e ainda vem assim, pouco antes do show, quando eu tô uma pilha, me jogar todos os problemas...tudo bem, é meu dever te ouvir, mas eu não vou parar tudo pra te oferecer ombro e colo, não, chora daí mesmo, que eu te vejo e transmito minha pena pelo espelho...e quando você entrou com essa cara eu tomei um susto tão grande que eu quase rasguei a meia calça, eu tava vestindo ela, e com o susto, quase rasguei a meia calça nova que eu comprei pro show de hoje a noite, e paguei uma fortuna!...e quantas vezes eu te falei pra você tomar cuidado, não ficar andando na rua de madrugada...ocupa a cabeça com outra coisa, aluga um filme, vai ler um livro...namorada, não tem namorada, e aquela tua namorada, que você me falou?...leva ela pra casa, você sabe que ninguém se importa, que a gente entende essas coisas, quem sou eu pra querer te censurar?!, mas não, você tem que ficar andando pra lá e pra cá, cruzando toda a cidade de noite, dando bobeira, e acontece o que?..você é assaltado toda hora...esse é o terceiro celular que você perde...faz alguma coisa, pega pra mim o vestido na arara...não o vermelho não, o azul, de paetê...agora olha pra lá que eu vou tirar o robe pra me vestir...tô uma pilha, você não devia tratar assim a sua mãe! E claro, agora você vai me encher o saco até eu te comprar um aparelho novo, e vai fazer chantagem, falar que eu vou preferir, que eu vou poder te achar a hora em que eu quiser, em qualquer lugar...sim, isso me tranquiliza, mas eu nem sou do tipo que fica o tempo todo ligando pro filho, bloqueando sua vida...sou ou não sou?...te ligo o tempo todo, todo dia?...também, nem sei quando você tá na rua ou tá na cama...pode olhar, vem cá, agora, fecha o zíper pra mim...com cuidado, senão você me rasga, vai com cuidado, não é a primeira vez que você faz isso...olha pra mim...olha pra mim, nos meus olhos, aprende a olhar pra cima...eu sei que o salto me deixa maior, mas também não é a primeira vez que você me vê assim...e pensar que sem esse salto a gente fica da mesma altura...olha que você tem só 17 anos...meu Deus, meu filho vai ficar maior que eu...pode rir, pode rir, mas não pensa que eu já me acalmei...você não devia tratar assim a sua mãe! Mãe é assim mesmo, briga porque se preocupa, deve ter ficado assustada, daí você ainda se sente no direito de ficar ofendido, faz uma cena, sai batendo a porta e vem correndo pra cá, sai pra rua de novo, ela deve ter ficado mais preocupada ainda...você não devia tratar assim a sua mãe!...olha só, eu vou agora fazer o show, depois a gente conversa, eu te levo pra casa, você vai ver, ela vai ficar muito feliz em te ver...tô bonita?...tô?...o coruja aqui é você...vai pra platéia, quando eu acabar, quero voltar pro camarim e te encontrar aqui, já, prontinho pra gente ir embora, tá bom?...meu Deus, olha o teu tamanho, realmente eu tô envelhecendo...tõ atrasada, já estão me anunciando...ah, nunca se esqueça: papai te ama, tá?!

quinta-feira, 30 de abril de 2009

COISA DE VÓ - Grupo pé de moleque

ESTREIA 06 DE JUNHO ATÉ 26 DE JULHO
SÁBADOS E DOMINGOS, 16hs
TEATRO MARTINS PENNA
LGO. DO ROSÁRIO, 20
PENHA

segunda-feira, 27 de abril de 2009

sexta-feira, 24 de abril de 2009

BRANCO

Cabelo frouxo
solto no vento
pés liberados
pisando o chão
corpo folgado
vestido num
vestido branco branco branco branco branco

Suspiro longo
paz no pulmão
vento batendo
vazando a mão
olhos pro alto
luz na visão
de um céu branco branco branco branco branco

Beira de rio
beira de mar
areia fina
terra fofa
correnteza leva
sela o encontro
com espuma branca branca branca branca branca

Viagem longa
passeio curto
barco na onda
mãos num mergulho
vôo suave
sem cansar bato
minhas asas brancas brancas brancas brancas brancas

Banho de cheiro
luz no olhar
alma sem peso
saber ancestral
mensagem simples
velho traz paz
e sigo branco branco tanto
canto branco branco branco


--- Poema/canção para a sexta-feira. Para ser cantada e ouvida com uma cadência calma e quebrada ao fundo Para trazer e louvar um estado de paz e plenitude onde é branco. Escrita depois de um banho de rio, num sábado de tarde, na volta de uma viagem numa estrada sob um céu cinza de uma São Paulo com frio, na ameaça de uma chuva que não veio; no dia 03/01/2009

CONSULTA

Com que folhas eu preciso trabalhar
pra que seja mais que só um quebranto?
Inteligência e paciência pra operar
sem ter a pressa de um coelho em virar santo.
Pra que sirva muito além que um esconjuro
qual a erva que pode caber mais
na ciência da feitura desse encanto
pra enfumaçar os corações de paz?
Qual dos bichos eu tenho que buscar
pra levar esse pedido de acalanto?
Qual é o gosto que é melhor oferecer
pra essa fome que é urgente em aplacar?
Com que cheiro é melhor eu defumar
esse lugar onde tudo de verdade ninguém sente?
Qual gesto vai ser bom de ser constante
pra essa dança ser o rito mais frequente?
Qual canção que é preciso eu cantar tanto
pra invocar com a minha prece a quem é forte?
Procurando essa resposta onde eu a possa encontrar
e encontrando é que eu persisto no meu canto.

--- essa canção/poema é uma das mais caras para mim. Descreve um estado de busca, um estado de vivência da fé não pelos fetiches em que ela sempre é representada, mas pelo sentido que caberá a cada um, de todas as experiências que possam ser recomendadas e pedidas.
Não diz somente de uma fé específica, por mais que tenha elementos fáceis de reconhecer. Partiu da minha fé. Porém todos os caminhos espirituais (e/ou esotéricos) que pretendem oferecer uma experiência de encontro e vivência do sagrado que seja mais empírica, mais significante, contém sues fetiches, seus ritos, seu cheiro de fumaça e os gestos que compõem sua dança. Nem que seja o gesto de estar sentado, ereto, mãos pousadas nas pernas e olhos fechados, ouvindo a mensagem de um guia, com baixa luz.
É mesmo uma consulta, feita em silêncio, de olhos fechados, jogada no vento, com uma entidade não definida, talve perguntas feitas aos espíritos do tempo, por conta do tempo tudo receitar e responder.
Euê Assa.

CAVALO DE JORGE, ESPADA DE OGUM


Armadura de ferro espada de azul royal
de fogo na boca do dragão forja o seu arsenal

Cavaleiro preto cavalga alvo cavalo de duas patas
cruzando o espaço girando no braço sua espada cor de prata

Eu vou chamar caboclo eu vou bater
sinal no céu de fogo pra quem ver
eu já mandei brilhar mais forte a lua
iluminando a rua, abrindo toda a mata
projetando na areia na beira do mar
a imagem do santo pra me abençoar

Jorge!
santo santo me deixe mais são
Jorge!
sua espada crvada no meu coração
Jorge!
Deus cvalgue conosco
Jorge Axé Jorge Orixá guerreiro de Olorum
salve Santo Ogum que me abençoou sou cavalo de Jorge com o elmo de Ogum

Eu amanso um dragão por dia
se é preciso eu faço dois
essa força que me guia
foi meu pai Ogum que pôs
Inimigo meu não mato
mas cavalgo em couro bruto guerra em paz sentença em trato
com o braço eu executo

OGUNHÊ SALVE OGUM SÃO JORGE

Postagem atrasada em um dia (por conta de eu não conseguir postar ontém),
Essa canção nasceu exatamente há um ano, com a benção de São Jorge, a quem eu peço bençãos há 23 anos.
Essa canção está sendo trabalhada no repertório de uma grande amiga minha, que está iniciando seu caminho na música, com a benção de Ogum seu pai.
Para minha grande honra, é com essas palavras que ela agradece e pede benção

quarta-feira, 22 de abril de 2009


CIDADE DESMANCHE
espetáculo do Teatro de Narradores
Temporada prorrogada até 17/05/2009
Sábados às 21hs e Domingos às 20hs
R$ 20,00
ESPAÇO MAQUINARIA - TEATRO DE NARRADORES
R: 13 de Maio, 240, 2° andar
Bela Vista, São Paulo
Informações/ Reservas: 3853-3651

FOTO







Crédito da foto: Maria Tuca Fanchin
O Rebento chega, depois de tanta vontade, tanto receio e tanto deixar pra depois. Espaço para publicação de textos, imagens, divulgação de trabalhos e divisão do que eu queira dividir neste mar.
Bem vindos, e que euseja bem vindo também...

UM