terça-feira, 17 de novembro de 2009

O MUNDO, DO FIM AO COMEÇO

Ela estava amedrontada. Não era cética, era até interessada por misticismo e histórias veladas de grandes segredos, sociedades desconhecidas, alquimias, códigos, símbolos perdidos, verdades ocultas. No final do ano de 2010, os rumores em torno do fim do mundo se aproximando em 2012 a preocupavam. Uma mulher jovem, na casa dos 20, que ainda não havia feito nada de realmente importante e notório na vida, além de projetar seus planos. No fim daquela semana, então, seus nervos estavam fatigados. Depois de um blecaute nacional, que a pegou desprevenida, como muitos, dentro de um metrô, a caminho de casa. A notícia de pontes desabando nas estradas em cima de carros. Uma semana antes, grandes intelectuais centenários, reveladores do comportamento humano, morrendo um após o outro. Para ela, uma universitária impressionada com o mundo que estava se abrindo aos seus olhos, e ávida por decifrá-lo, aquilo tudo era anunciador de uma catástrofe irreparável. Sentia uma angústia difícil de lidar. Queria se planejar, de emergência, a antecipar os grandes planos da vida. Estava fazendo as contas de suas economias para poder passar a virada do ano em uma praia, na Ásia, ou na Áfria. Tinha medo pelo ano que entrava. E se a tecnologia toda, o avanço da mente humana, o tempo passando cada vez mais rápido e todas essas coisas tivessem também antecipado os planos do mundo? Se tudo fosse acabar nesta virada de ano, que ela morresse, então, de frente para o mar e de preferência em uma terra desconhecida. Morreria com a sensação de plenitude e grandeza íntima. Naquela sexta-feira, ao se aprontar para ir para a universidade, decidiu que iria terminar a noite em um bar, uma balada, qualquer lugar onde pudesse beber um pouco e relaxar os nervos torturados por uma semana pavorosa. Por conta dessa decisão, perdeu tempo demais escolhendo uma roupa mais apropriada para a vida noturna, tomou um banho mais demorado, lavou os cabelos e acabou se atrasando. Ao chegar na universidade, gritos e aglomerações a fizeram intuir um tumulto que não entendia. Uma horda de homens excitados trepavam uns sobre os outros, gritavam, insultavam alguém a quem ela não via. Com muito esforço, conseguiu distinguir palavras em meio aos urros. Gritavam "vadia", "puta" e coisas do tipo. Chegou a pensar que era ela, que era o fim do mundo batendo na sua porta, que não teria mais  tempo de viajar, estar de frente ao mar, pisar em terra desconhecida, nada.  Iria tudo acabar lá. Pouco tempo depois, viu policiais entrando numa sala de aula, o epicentro daquele holocausto, e os viu sair de lá escoltando uma menina, uma aluna de algum outro curso, com quem ela cruzava, às vezes, na cantina da universidade, no intervalo. A polícia defendia a menina, enxovalhada pelos insultos dos homens, e a conduzia para fora da universidade. Aparentemente ela não tinha insultado um professor, matado o namorado na sala de aula, queimado todas as provas do semestre, nada. A menina seguia, de cabeça baixa, entre os policias. Trajava um vestido vermelho curto. Estava maquiada, de cabelo arrumado, assim como ela prórpia, e temeu por si mesma. Seria a próxima? Se realemente fosse mesmo o fim do mundo se anunciado em sequencia, depois de todos os acontecimentos da semana, ela terminaria assim, linchada no corredor da universidade somente por querer se distrair numa sexta-feira à noite? A angústia cresceu no seu peito, tremia, temia pelo que estava por vir. Decicidu salvar-se antes do pior. Fugiu. Não ficaria mais lá, não iria cutir a noite, correria para casa. No metrô, para destrair a cabeça, se livrar do medo - de repente um novo blecaute e ela novamente indefesa? De repente agora as ruas da cidade desabando sobre ela, debaixo da terra? De repente ela, uma promessa de pensadora e mulher relevante morrendo tragicamente nos 20 anos, longe de completar um século? - abriu seu caderno, e começou a reler as suas anotações. Abriu ao acaso numa página rascunhada durante uma aula de filosofia. O professor, naquele aula, introduzira um estudo de religiões, e comentara passagens de textos sagrados, entre eles a bíblia. Um trecho que anotara em seu caderno - não, não podia ser do Apocalipse, era simbologia demais por uma semana, por uma noite. Para seu alívio o professor comentava sobre o Gênesis, e ela havia anotado em seu caderno o que o professor declamava citando a bíblia: "E Deus disse a Eva: multiplicarei os teus trabalhos e os teus partos, estarás sob o poder do macho e ele te dominará." De repente, ao ler essas anotações, uma calma sem tamanho foi tomando conta de seu coração, afrouxando seus nervos e dissipando a angústia, o tremor e o pânico. Não, o mundo não estava acabando. Mesmo os acontecimentos desta semana, somente incidentes, até mesmo o que vira na universidade, há pouco. Com a leitura achada ao acaso, o universo explicava a ela o seu funcionamento, e a esclarecia. O mundo estava só no começo.

2 comentários:

  1. ...E CRisto falou: "ninguém acenderá uma candeia e a porá debaixo do alqueire, mas sim no alto de um suporte para que todos aproveitem a sua luz".
    BRUNO QUE COISA LINDA!!!
    Com toda a minha s\uspeição; que coisa linda!
    Não a coloque debaixo do alqueire. Quais são os seus planos para artigos tão bons?
    grato,
    Osvaldo.

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  2. praticamente um resumo de nossa semana... rsrsrs
    bacana, depois conversamos pessoalmente

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