terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

PRA AGRADECER IEMANJÁ

As flores eu comprei foi pra festa. Um buquê cheio de rosas brancas. Foi pra entregar no mar. Comprei de manhã cedinho, ainda, no caminho da praia, perto de casa, elas estavam todas em botão. Eu pensei: De casa até a praia dá chão, é caminhada até o ponto, é distância pra correr de ônibus, depois é caminhar até a beira. Maria Rosa, eu ouvi dizer que ia também sair manhã cedinho pra ir pro mar. Ouvi dizer de orelhada, andando na rua, no caminho de casa, eu de longe avistei ela no portão da Zulmira, e elas conversavam se esquecendo da vida, como sempre conversam. Daí eu, como não quer nada me esqueci também. Diminui meu passo, comecei a assobiar uma coisinha qualquer  e passei de orelhada olhando o céu, como quem vê se vai chover, se vai fazer sol pra não estragar a festa do dia seguinte. De orelhada eu ouvi ela dizer que sim, que iria sair manhã cedinho, e qu tinha passado o dia todo no terreiro, com os preparativos. Não comprimentei, não foi de vergonha, nem falta de educação. Foi que Maria Rosa é muito apegada nessa prima, e a prima nela. Mas Zulmira é evangélica, e começou o sermão. Que essas coisas de macumba na beira da praia é coisa do diabo, que se disfarça de santa pra receber adoração e presente, que o diabo é vaidoso. Deve ser por isso que Maria Rosa é bonita de doer na vista e a prima Zulmira é feia que nem o cão. Daí eu apertei o passo, senão sobrava pra mim também, eu já tô por aqui de sermão da Zulmira. Só sei que vim bem cedo, comprei as rosas e esperei no ponto pra vêr se eu via Maria Rosa e inventava que tava chegando agora, e ia com ela. Mas deu meia hora, uma, ia dar duas e ela não vinha. Fui, que eu também não era besta de perder a festa de Iemanjá só por causa de mulher, não sou homem de me dobrar não! De casa até a praia deu mais uma hora e meia, o trânsito tava cheio, bem no caminho da praia. Depois vem me dizer que é o maior país católico do mundo, que a macumba só se faz escondida. Nessas horas é que a gente vê, ninguém deixa de pedir nada pra Iemanjá, pois todo mundo é vaidoso e aflito, que nem o diabo da Zulmira. Até a orixá ficou branca pra não ferir o pudor de quem não bate cabeça mas vem agradecer alguma graça alcançada, que talvez com Santo Expedito não vingou. Com todo o respeito, que eu respeito muito quem é santo. Mas é que com Iemanjá, a gente não brinca não. Na praia, já se viu, né, 2 de Fevereiro, aquele mundaréu. Levei cotovelada e cotovelei, mas cheguei na beira, com a calça branca arriada até a canela, carregando o chinelo na mão e muita aflição no coração, pedindo pra mãe Iemanjá mais nada, só o amor de Maria Rosa pra chamegar minha vaidade. E foi que quando eu fui jogar as flores, já tinha até soltado o durex do buquê pra jogar rosa por rosa, foi Maria Rosa que eu vi lá mais dentro do mar, com três mulheres em volta, fazendo a guarda pra ela não ir muito no fundo. A danada é filha dela, não é?!, tava dançando, o batuque na areia tava forte. E Iemanjá na Maria Rosa, aquela Ogunté danada de brava jogando a espada pra lá e pra cá, e de repente parava pra se olhar no espelho um pouco, porque como diria Zulmira o diabo é vaidoso, e voltava a guerrear. Você sabe, né, o filho de Ogum aqui não conseguia para de ohar, baixei a mão com as rosas e levantei a outra, pra Iemanjá da Maria Rosa vêr que eu não queria nada de mal, não, e que se ela carregava espada eu também carrego mas sou de paz com ela. Eu te juro que ela virou na minha direção e curvou o corpo. Eu curvei também, com um sorriso que não cabia na cara. Quando ela terminou e depois que Maria Rosa deu seus tremeliques, eu esperei. Curvei de novo, fingindo que tava ainda conversando com a Iemanjá, como quem não quer nada, olhando meio pra baixo meio na direção de Maria Rosa pra ver quando ela voltava. E ela veio vindo e quando chegou perto eu ofereci o buquê, dizendo: Flores pra Iemanjá. As rosas, com o calorão todo que fazia desde cedo, já estavam abertas, estufadas, lindas. Maria Rosa tomou um susto, devia ainda tá um pouco tonteada, mas abriu um sorriso grande, aquele sorriso gostoso que ela tem e aceitou. Eu disse ainda: Odoyá, e ela me respondeu: Ogunhê. Safada, essa sabe das coisas. A gente festejou junto até o fim do dia, depois pegamos o ônibus juntos. E ela foi pra casa dela, porque você sabe, né, sendo filha de santo como ela é, tem que se guardar no dia da mãe. Mas no dia seguinte a gente voltou a se encontrar, e no outro dia também e no outro. As flores, eram pra Iemanjá, não deixaram de ser. Antes da gente ir embora Maria Rosa me puxou até a beira da praia, jogou o buquê, uma por uma, se curvou e agradeceu. Eu ouvi bem, que ela falou em voz alta, agradeceu, me pegou pela mão e saímos do mar juntinhos. Safada, aí eu confirmei minhas suspeitas. A danada já tava mesmo de olho em mim, mas não era mulher de se dobrar por homem, não. Bem que a prima Zulmira já tinha me avisado: essa daí é vaidosa que é o diabo!

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